Uma reinterpretação do Rei Édipo que se cruza com uma realidade mítica portuguesa.
Inicia-se assim a trilogia do Édipo, e neste primeiro volume reproduz-se o Édipo Rei de Sófocles recorrendo à palavra, desviando-se na semelhança e na diferença, resultando algo novo. Conhecesse imitando, moldando, mas também negando. A imitação pressupõe qual o caminho a seguir, mas o caminho escolhido pouco será causal e instantâneo, no tempo e no espaço, de tão fragmentado e dado ao engano.
O título do livro, um sinal de alerta, o bater constante e de intensidade crescente, um martelo que insulta o ferro quente, incomoda, agride, persiste no interior de cada um, como o telefone que toca sem descanso e que ninguém atende. O título é um preparar para o pior, para o que se vai, anunciando as várias vozes presentes. Uma orquestra procurando afinação possível. Primeiro um narrador onde não é um prólogo o que se mostra, antes um preparar de armadilhas e caminhos tortuosos, como se de um jogo se tratasse, aos vossos lugares, começa ele, e arrasta-nos até ao dilema de Gustavo com uma Mauser na mão, decidindo se dispara ou não sobre a cabeça de Bartolomeu. Depois, os próprios personagens vão mostrando as suas versões da história, ou qual a história. O “mesmo” narrador arrisca a sua voz, para logo ser calado por Alma e pela sua agonia, e só a voz de Heinrich se eleva quando morre, ou eleva-se para morrer, por vontade de Alma, talvez, não do narrador. Perdendo este o fio no seu labirinto, dedica-se, às criadas, ao seu falar incompreensível, às suas pequenas memórias, referindo Alma que as ensinou a ler, a escrever, a falar de modo que as perceba, e isto é apenas a perda do narrador, de novo, para os personagens, neste caso, Alma, dominando eles a história, permitindo-se ela a escrever invertido, para que ninguém leia, ou só sendo possível recorrendo a um espelho.
O narrador atormenta-se, tenta respirar à tona, comete erros, junta tudo e todos como se um festejo ou celebração. De quê? Pega no Gustavo com a Mauser, momento já quase esquecido, ele com onze ou doze anos, e leva-o à idade adulta, para os braços de Alma e centro da fogueira que é o sexto capítulo.
Recua ao Brasil da primeira república, dos ingénuos, dos nascidos livres apesar de pais escravos. O Brasil do massacre de Canudos, e recuando prova que o tempo não tem ordem, nem relevância, se for visto não como um fio, mas sim um emaranhado de fios distintos que se cruzam e evitam, mas sempre próximos, e por isso tantas memórias, e sonhos ou pesadelos.
Gostaria ainda de falar da revelação. Tal como Édipo, Gustavo não mata o pai, mas sim um desconhecido. Naquela Cidadela dos Cães de Tomás Polipo. A Utopia, tal como nunca pensada por Thomas Moore, ou descrita por Rafael Hitlodeu. Fornicou a mãe, sem o saber, assim como Édipo. Refugiou-se na culpa? Ou, não a sentiu, sequer? Todas as tentativas de anulação da mancha, desde o primeiro instante, quando Gustavo nasceu. Alma manda atirar o filho ao rio; Abraão manda Gustavo para o Colégio Militar em Lisboa. Tentativas de anular a criança impura, contaminada, símbolo de iniquidade. Abrindo caminho para o resto da trilogia, contamina as gerações seguintes, pois a ética está para lá da porta do medo.