Drieu la Rochelle é um escritor amaldiçoado, e com razão: colaborador e apoiante de Hitler, cometeu o erro supremo do século XX; suicidou-se depois de escrever uma nota que exigia a morte como traidor.
A sua obra é a de um homem contraditório, que hesitou entre a Action Française e os surrealistas, entre o nacionalismo e o europeísmo, o comunismo e o fascismo, o pacifismo e o culto dos valores guerreiros, a literatura e o compromisso político.
Mas a verdadeira paixão de Drieu não é a política: é a sua própria morte perseguida com um fascínio lúcido em todos os seus escritos; já em Estado Civil, um dos seus primeiros livros (1921), diz-nos: «O sangue, este hieróglifo, aparece por toda a parte sob a minha pele como o nome de um deus.»
Nesta surpreendente autobiografia, Drieu conta-nos a sua infância durante a Belle Époque, a adolescência com todos os seus tormentos e a busca de ideias que lhe servirão de bitola durante toda a sua vida. Uma biografia surpreendente, porque em vez de uma narração do passado, das historietas, das mudanças e da procrastinação da juventude, Drieu partilha com o leitor, de rajada, a sua inquietação ao nascer para o mundo, a inclinação que o prejudicará gravemente e que projecta as consequências no seu desenvolvimento posterior, mas também uma análise interessante do encontro com o mundo e as influências que a criança pode sofrer ao longo da vida. «Será que um dia poderei contar outra coisa além da minha história?», questiona Drieu no início de Estado Civil.
Mas por que razão publica a sua autobiografia aos 28 anos? Porque pelo meio houve o massacre da «Grande Guerra»: uma verdadeira carnificina industrial. Drieu dá por si três vezes ferido, com a necessidade urgente de escapar à sua infância, questionar o seu lugar no mundo, fazer um balanço desta sociedade que o levará ao suicídio. Estado Civil é um «romance» que acaba por se revelar uma confissão, um estudo, uma busca de identidade: quem é esse menino alto e loiro de olhos azuis, criado em Paris e nos verões do campo, mal amado por um pai ausente – incompetente nos negócios e que prefere a sua antiga amante –, e com uma mãe que sai todas as noites? Assim se revela um desgosto proustiano pela partida materna, com ansiedades, medo do escuro e suspeitas.
Pierre é um ser mal amado, marcado para o resto da vida: aos 6 anos pressiona uma faca contra o peito até sangrar. Tortura uma galinha, quase involuntariamente, até que ela morra, apresentando-se perante o «tribunal da família» que lhe atira o cadáver à cabeça.
Entre o declínio familiar e a decadência colectiva, Pierre Drieu La Rochelle sente-se «neto de uma derrota», a de Sedan sob Napoleão III, a vingança da Alemanha sobre Jena, derrotada por Napoleão, o Grande – Pierre, quando criança, tinha um fascínio pelo Napoleão das histórias que a avó lhe contava.
Mas a realidade revelou-se muito mais triste. Este é o romance sobre a perda de um mundo, que levou um ser humano a desencontrar-se, numa narrativa que acompanha o pequeno Pierre, mas se projecta constantemente na sua adolescência e na idade adulta.