A mais importante novela (1935) de um dos grandes renovadores da moderna literatura árabe que antecipa de certa forma uma Kerouac ou Bukowski numa realidade bem diferente.
Inspirada numa viagem empreendida pelo grande escritor tunisino no ano de 1933, a novela que dá título a este volume relata a viagem do autor e dos seus companheiros por vários portos do mediterrâneo.
Essa viagem feita maioritariamente de barco, mas também de camioneta em curtas excursões por terra, começa na travessia de barco entre Tunes e Córsega, e, segundo as próprias palavras do autor, este depara-se com «um tremendo sinal de interrogação que começa em França, passa por Itália, Grécia, Turquia, e Levante e cujo ponto é a cidade de Alexandria, a última e a mais importante desta nossa viagem.» No entanto, o livro termina a narrativa desta viagem na cidade de Esmirna na Turquia, não sendo claro porque não quis o autor avançar mais. Muito possivelmente, conforme o temperamento indisciplinado e refractário do autor, simplesmente não lhe apeteceu escrever mais, e fechou o relato.
Esta novela, publicada em 1935, é uma espécie de obra «on the road» avant la lettre, e é uma bela amostra de uma literatura árabe que poucos europeus suspeitavam existir no começo do século XX. Apesar de ser tentador traçar alguns paralelos com o género de viagem (riḥlah) da literatura árabe clássica, cujo exemplo mais conhecido é «A Viagem de Ibn Battutah», na realidade Ali Duaji é mais facilmente comparável à beat generation.
A intenção do autor, mestre duma ironia fabulosa, é não falar sobre o que os leitores estão «habituados a ler em livros de viagens sobre as curiosidades dos museus ou sobre o que produzem as fábricas, nem sobre as profundezas dos mares ou as maravilhas da natureza, nem sobre montanhas altíssimas ou grutas profundíssimas.» E também propõe que não irá «descrever as ruas, as praças, os jardins e os edifícios. São coisas que se assemelham entre si em qualquer lugar […]». E justifica o título do livro alegando que «foi para estabelecer a verdade relativamente ao que fizemos durante o nosso périplo pelos portos deste esplêndido mar, dos quais nada vimos a não ser os bares e os cafés».
Mas nem só de bares viveu o autor nesta viagem: acompanhou algumas excursões em que é subtilmente patente o seu desinteresse pelas mesmas, e até mesmo um certo escárnio pela ignorância e indelicadeza por parte dos seus companheiros de viagem europeus. O autor relata a sua visita à Córsega (Bastia), Nice e Côte d'Azur, Nápoles, Pompeia, Pireu, Atenas, Dardanelos, Istambul, Esmirna, através dos seus encontros com os nativos e as nativas, e do seu convívio com os demais companheiros de viagem, numa tentativa subjectiva de compreender o que há de comum e de diferente entre os povos mediterrâneos, e de aprofundar os seus conhecimentos íntimos sobre a beleza da mulher mediterrânea que tanto admira.
A esta tradução, feita a partir do original árabe e à qual se acrescentam alguns contos mais do autor (com personagems portugueses, inclusive), é a primeira tradução para língua portuguesa de uma obra daquele que é considerado o pai do conto tunisino moderno.
Infelizmente Duaji morreu cedo, aos 40 anos, vítima de tuberculose e não deixou para a posteridade uma obra vastíssima, mas a sua obra foi suficiente para fazer dele um vulto incontornável da renovação literária árabe da modernidade. Além de contos, escreveu artigos de opinião, poesia e teatro. Era um assíduo frequentador da boémia tunisina dos anos trinta, e um profundo conhecedor da literatura árabe e francesa, apesar de nunca haver completado o ensino primário.