Uma novela invulgar onde texto e imagem se aliam para narrar a cristalização do momento de mudança.
Narrativa em torno de quatro personagens centrais, representantes de duas gerações, cujas vidas se vão cruzando numa história que traça um arco temporal entre 1968 e 2009, em lugares como Biarritz, Paris, Lisboa ou o Douro. A seu modo, todas as personagens se encontram em momentos de vida complexos, em algumas situações, até extremos. E, ao longo da narrativa, vão sendo desvendados ao leitor os diversos passados das personagens, as suas inquietações, os seus desejos, convocando-o para uma zona de rebentação, da qual todos anseiam, na verdade, poder sair. A obra junta vários capítulos cada qual a companhado de uma fotografia, também da autora, que introduz cada capítulo e, em simultâneo, cria uma outra camada – visual – de leitura.
Texto de Inês Dias [editora, poeta e tradutora] a propósito de “67, Rue Greneta” (Artefacto, 2014)
Esta desaceleração encontra-se presente, sobretudo, no modo como a Isabel, nos seus textos, cristaliza pequenos instantes de modo a permitir-se/-nos pensá-los, transformá-los em espera (aberta) e não apenas em acção (fechada). O mais importante (…) não são as chegadas, mas as suspensões e a consequente transformação que estas deambulações permitem; um pouco como para Moosbrugger, uma personagem de Musil em O Homem Sem Qualidades, a liberdade era o trajecto repetido entre a prisão e o tribunal. (…) Mesmo quando em andamento, a figura emblemática deste ritmo alternativo – desta quase inversão de marcha – é a do próprio flâneur, que Isabel recupera num dos seus textos e que também podemos encontrar, aplicada à criação literária, em Jean Cocteau. (…) Um último aspecto que gostaria de destacar é o léxico positivo, quase solar, deste livro, em que os textos traçam justamente um arco do Outono à Primavera. Refiro-me a palavras como alegria, ternura, acreditar ou revelação. (…) Em tempo de profunda crise, que deixa naturalmente as suas marcas nestes textos, não é menos importante esta ressalva da alegria, feita por diversas vezes. Em tempo de obsceno apelo governamental à emigração, não é menos importante o pequeno gesto de resistência de terminar um livro, apelando, pelo contrário, ao regresso: “No fundo, todos esperamos chegar a casa, onde quer que seja, e encontrar sempre a chave debaixo do tapete.”