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«Último argumento dos reis». Fora isto que Luís XIV mandara gravar nos seus canhões. Finda a diplomacia e a argumentação, restava a força.

Na sequência da entrevista de Hugo Xavier ao jornal «i», no texto com que nos brinda na página de facebook da Relógio d'Água (RdA), Francisco Vale (FV), por seu lado, sem argumentos, recorre à insinuação torpe e ao insulto velado para atacar a competência e honorabilidade de Hugo Xavier, um dos editores e co-fundadores da E-primatur, não sem antes denegrir e apoucar o trabalho feito pelas nossas chancelas. E isso merece resposta: primeiro, a título institucional; segundo, para defesa da honra e do bom nome de Hugo Xavier.

Na verdade, o texto diz mais do próprio FV do que daqueles que visa atingir. Não se coíbe de enlamear traduções que repescámos e de caminho insulta os profissionais que nelas trabalharam a rever e a cotejar a tradução. Para FV, «algumas traduções da E-Primatur são francamente más, como é o caso de “Bleak House” ou de “The Old Curiosity Shop”, em que recorreu a uma tradução do final dos anos 40 de Ersílio Cardoso, que tem vários problemas e nem sequer parece ter sido revista.» Vejamos: FV atira a pedra e esconde a mão, pois não cita um só exemplo de «má tradução» ou problemas; as traduções citadas são boas traduções; o facto de terem sido feitas nos anos 40 em nada as diminui; pelo contrário, deixa-as mais próximas de uma linguagem do século xix. De igual modo, a insinuação de «que nem parece ter sido revista» é desmentida pela realidade: basta consultar a ficha técnica para lá ler o nome de Helder Guégués, das pessoas que mais têm feito pela defesa da língua portuguesa e um dos melhores revisores que há em Portugal. Aliás, com excepção de Tempos Difíceis, todas as traduções que publicámos de Dickens até à data fora cotejadas com o original e revistas por ele. O mesmo Helder Guégués a que FV já recorreu bastas vezes para fazer o mesmíssimo trabalho.

Ainda sobre a publicação de títulos de Dickens: ninguém retira o mérito a FV de o ter publicado (e continuar a publicar), mas isso faz dele apenas um editor que publicou Dickens, não o torna dono do autor. A nossa tradução de Hard Times saiu poucos meses antes (Março) da que Daniel Jonas fez para a RdA (Outubro). Nada a dizer, uma coincidência (sem ironia). Mas desde então, durante três anos a RdA quase só publicou – um ano depois ou mais – títulos que já tínhamos publicado: Great Expectations e Oliver Twist; e Dickens não é conhecido por ter uma obra pequena. Desde que surgiu, a E-Primatur tem publicado um título de Dickens por ano (dá saúde e faz crescer). Serão certamente coincidências e vicissitudes de se publicar autores em domínio público. FV esqueceu-se também de referir que a RdA entendeu publicar, em Novembro de 2017, as duas pequenas conferências de Max Weber, com o título A Ciência e a Política Como Ofício e Vocação; oito meses antes publicáramos nós os mesmos textos: A Política como Vocação seguido de A Ciência como Vocação. Honra seja feita à RdA, que já havia publicado outros títulos do autor, entre eles o célebre A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo (já publicado antes pela Presença). E agora o «affaire» Sete Pilares: a nossa edição estava anunciada desde Novembro do ano passado.

FV tenta também apoucar o nosso modelo de negócio, e com isso insulta o leitor português, ao passar-lhe um atestado de menoridade, com a sua afirmação jocosa de que «a E-Primatur e a sua chancela Bookbuilders editam obras a pedido de leitores num processo de crowdfunding, em versão um pouco mais selectiva e literária do que a Chiado Books». FV faz-se de parvo para enganar o leitor: mais uma vez, basta ir ao nosso site para lá ler: «Na página "Projectos" estão indicados os livros que são apresentados a votação. Esses livros resultam de propostas dos Editores, dos padrinhos do projecto ou dos Leitores.» Temos muito orgulho no nosso trabalho e agradecemos o contributo dos nossos leitores na construção da editora, contributo esse que também passa por sugestões de publicação. FV, que recebe diversas sugestões através do Facebook e do blogue da RdA, e certamente dos seus colaboradores, não precisa dessas sugestões: já lhe tinham ocorrido todas. Quanto à afirmação de que publicamos sem riscos, a falsa sonsice continua, pois FV sabe muito bem quanto custa fazer um livro.

Enfim, a coisa já vai longa. Para concluir esta primeira parte: FV construiu um catálogo ímpar na edição portuguesa. Mas nós não confundimos a obra de arte com o carácter do artista. E dele não recebemos lições, muito menos de ética. Já não é a primeira vez que FV entende opinar, de forma pouco elegante, sobre o catálogo e as opções de outros editores, e neste caso recorrendo à mentira. Por isso, a sua ida, na Feira do Livro de Lisboa do ano passado, ao nosso pavilhão para pedir apenas um catálogo (havia lá boas promoções) só se explica por um prazer mórbido de ver o lixo editorial que vai surgindo por cá.

Os Editores
Pedro Bernardo
Hugo Xavier



(Parte II)

Ao contrário de FV, não sou de me envolver em polémicas. Tenho pouca paciência para retóricas e, acima de tudo, pouco tempo.

No caso em causa, FV insultou-me como editor e profissional da edição, insultou os seus leitores com retórica barata e mentiras descaradas e acabou a falar mais de si do que outra coisa.

Muito pouco do que FV escreve merece resposta (sobretudo se os seus leitores lerem a minha entrevista), mas algumas respostas são obrigatórias:

- Numa frase baralhada FV diz que se confunde ética com respeito. Sobre isso refiro apenas que, no novo site do Público, "Leituras", um projecto da Isabel Coutinho, há uma nova rúbrica intitulada 'Saídas' na qual se destacam os livros públicados semana a semana com informação confirmada pelas editoras. Na semana em que chegou às livrarias a nossa edição de «Os Sete Pilares da Sabedoria», FV comunica a saída da sua edição, sabendo perfeitamente que a mesma (que ainda não está no mercado) demoraria algumas semanas a ser publicada. Aqui se esclarece qual a noção de ética de FV e o seu respeito quer por jornalistas, quer por leitores, quer por livreiros.

- FV critica a qualidade das edições da E-Primatur e da BookBuilders insultando, assim, os mesmos críticos e jornalistas que têm votado, desde que estas editoras apareceram em finais de 2015, nos seus livros e nos nossos para Livros do Ano nos principais órgãos de imprensa e crítica especializada.

- FV ataca a qualidade das nossas traduções e levanta suspeitas sobre a qualidade da tradução de «Os Sete Pilares da Sabedoria». Mas fica-se por aí. Numa crítica inócua e vazia sem um único exemplo. FV esquece-se de que os leitores portugueses não são burros e percebem nessas críticas a mesma leviandade suína dos insultos parlamentares.

- FV decide, em resposta a um ponto que levanto na minha entrevista, revelar a sua enorme cultura editorial. Para fechar esse ponto com chave de ouro, FV clama que as editoras do pré 25 de Abril "não deixaram um grande legado à geração de editoras que se lhes seguiu". Não sei quem tenta FV enganar, mas se algum leitor tiver dúvida, consulte o catálogo da Biblioteca Nacional de Portugal e verifique a que editoras foi FV, na primeira década da sua editora, buscar o grosso do seu catálogo. Não há mal nenhum nisso desde que se tenham pago traduções e direitos, só que FV nega a base da sua própria editora.

- FV parece assumir que as minhas referências a um certo tipo de editores surgidos após 1974 e que pautavam a sua actuação por um desprezo pelo cumprimento de compromissos e legislação de Direitos de Autor lhe são dirigidas. Lá saberá se a casaca lhe serve. Da RdA sei apenas que vários grandes nomes da literatura mundial foram publicados alguns anos antes de caírem no domínio público sem que as fichas técnicas das obras apresentassem as frases contratualmente obrigatórias de copyright. Um esquecimento sistemático...

- FV diz que digo "o pior possível" de editoras onde trabalhei. Não, não digo. Da Vega, onde comecei, digo mal do editor Assírio Bacelar pela sua continuada política de incumprimento de compromissos junto de tradutores e de autores. Já da editora em si e do talento desse mesmo editor falam um catálogo de qualidade extrema, que, não fosse uma péssima comunicação, mereceria ombrear com a RdA em muitas das suas linhas editoriais. Da Babel falei apenas dos seus administradores executivos. FV quer fazer de mim um detrator ou algo pior. Ridículo, basta ler.

- Os insultos que FV me dirigiu permitem-me também que lhe diga que, se quer arvorar a bandeira das traduções a partir das línguas originais, não o pode fazer contra mim. A Cavalo de Ferro (CdF), da qual fui fundador e da qual fui co-editor entre 2002 e 2004 e editor principal de 2004 a 2008, foi a primeira editora portuguesa a trabalhar sistematicamente as traduções de línguas originais numa escala à qual a RdA nunca chegou: russo, chinês, japonês, checo, eslovaco, polaco, sueco, búlgaro, islandês, servo-croata, norueguês, árabe, romeno, alemão, italiano e muitas mais. Alguns dos mais prestigiados tradutores literários que colaboram com a RdA hoje tiveram a sua primeira grande projecção na CdF. Na E-primatur e noutras chancelas saíram também já traduções do persa, sueco, alemão, italiano, árabe e russo.

Não sei onde FV viu na entrevista que me considero inigualável, não é sequer um bom insulto – FV já escreveu melhores insultos. Enfim, numa perspectiva hermenêutica todo o texto de FV é de uma pobreza franciscana.

Hugo Xavier