É com «Uma Andorinha no Telhado», de 1924, um clássico menor, que Descaves fica para a história da literatura. Desde a sua publicação a obra esteve sempre disponível em consecutivas edições.
A história é aparentemente simples: estamos em Dezembo de 1914 e a Guerra faz tremer a Europa. Uma pequena aldeia francesa - como muitas na época - aceita receber deslocados e refugiados das grandes cidades que são alvo mais apetecível da invasão alemã. Mas a aldeia está dividida pelo conflito entre a família do veterinário e a do farmacêutico e cada uma dessas famílias, outrora amigas, vai receber uma criança que perdeu tudo. O tom do romance é o de uma leve comédia, como o leitor poderia esperar dos filmes de comédia portuguesa dos anos 40, mas esse tom apenas torna mais leve um conjunto de temas fundamentais que são - em si - uma explicação para a queda da França enquanto bastião da Cultura. Descaves usa a pequena aldeia como retrato dos conflitos sociais, políticos e morais que dividiam a França.
As famílias que, numa primeira fase, aceitam as crianças para demonstrarem à sua pequena sociedade que estão fazer o seu esforço "social" são rapidamente pasto do ridículo que a inocência das crianças revela.
As cisões políticas na aldeia, fruto da pequena mesquinhez revelam o porquê de um país que encabeçava a cultura e indústria na Europa não ter resistido a qualquer das guerras sem grandes conflitos internos e tendo perdido a fé em si mesmo. Tudo isto representado por um conjunto de personagens e situações divertidas porque humanas.
Descaves narra tudo com grande sentido de humor o que transporta o leitor a outros tempos de aparente maior inocência, mas se no plano da enredo tudo se resolve, o Autor acabou de deixar a nu as feridas que atravessam a sociedade francesa e que vêm de um passado ainda recente.
O romance de Descaves tem tudo para todos os tipos de leitores, daqueles que procuram uma simples história aos que sentem a necessidade de uma reflexão mais profunda seja ela política, histórica, social, psicológica ou moral.
Lucien Descaves (1861-1949) foi um escritor francês, activista e defensor dos direitos humanos e do pacifismo.
Sucedeu-lhe o que sucedeu à grande maior parte dos escritores franceses que atingiram o seu auge nas primeiras décadas do século XX: por um lado as tensões do seu tempo marcaram a sua obra nem sempre permitindo o interesse das gerações futuras, por outro as guerras destruiram a máquina de promoção da cultura francesa, até aí rainha e senhora na Europa, que facilmente impunha os grandes nomes da sua literatura ao resto do mundo.
Descaves é hoje lembrado por ter sido o presidente do júri do Prémio Goncourt no ano em que, devido a manipulações da casa editora Gallimard, o prémio foi negado a Céline. Se era certo que se sabia haver um acordo entre as principais casas editoras que depois era plasmado nos membros do júri, escritores dessas mesmas grandes casas editoras, também era certo que havia bitolas de qualidade no prémio. E sabia-se também que quando uma obra se distinguia acima das demais de forma excepcional, independentemente da editora, o prémio era seu. Com Céline tal não aconteceu. Gaston Gallimard moveu mundos e fundos para garantir que o vencedor não seria a obra que, claramente, se distinguia das demais. Frustrado, Descaves demitiu-se do cargo de presidente do Júri.
Outro dos destaques da sua carreira foi o romance «Sous-offs», um delicioso romance antimilitarista e pacifista que gerou polémica e vendeu dezenas de edições.
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