« [...] A tudo isto se somou um certo acontecimento que só pode ser mencionado com toda a reserva. Polzer tinha então catorze anos e uma fértil imaginação juvenil instilada pelo ódio. Das relações entre homem e mulher não tinha outra ideia a não ser que eram algo horrendo e, por si só, repugnante. O mero imaginar de um corpo de mulher nu provocava-lhe asco. Um dia, entrara no quarto da tia quando ela se estava a lavar. A imagem do seu peito ressequido, de carnes flácidas dependuradas, ficou de tal maneira gravada que jamais conseguiu esquecer. Certa noite, estava ele no escuro corredor na parte de trás da loja, o armário do pão aberto, quando viu a porta do quarto da tia a abrir-se. Encostou-se todo contra à parede. Pela fresta iluminada da porta surgiu o seu pai em roupa de dormir. Atrás dele vislumbrou por momentos, como uma sombra, a figura da irmã do pai. A tia trancou a porta pelo lado de dentro.

O pai passou muito perto dele. A sua camisa estava aberta e Polzer, apesar do escuro, achou ter conseguido ver o seu peito peludo. Por um instante, sentiu o cheiro de pão acabado de cozer, que estava entranhado no pai por este estar sempre na loja. Polzer susteve a respiração e manteve-se imóvel, mesmo depois da porta do quarto do pai se ter fechado atrás dele há algum tempo.

Este acontecimento despertou em Franz Polzer sensações que trariam algumas das mais duradouras consequências para a sua vida futura. Apesar de ter vislumbrado apenas a sombra da tia, convencera-se de que esta estava nua. Desde então, era perseguido por imagens de situações que certamente ocorreriam durante a noite entre o pai e a irmã do pai. Polzer não tinha mais nada para as sustentar a não ser este único acontecimento nocturno. E depois disso não acontecera nada mais que também pudesse confirmar essa sua presunção.

Desde então, Polzer passava as suas noites até quase de manhã sem pregar olho. Ficava à escuta. Parecia-lhe ouvir portas a ranger e passos cautelosos sobre o chão carcomido da velha casa. Despertava de um leve dormitar convencido de que havia ouvido um grito abafado. Sentia-se repleto de um asco amargo. Mas a curiosidade impelia-o a esgueirar-se, noites dentro, para junto da porta da tia. Nunca lograra ouvir outra coisa que a respiração dela.

O pai sovava Franz Polzer com frequência, e a tia segurava-o. Quando nas noites em que havia sonhado com ele e sentido um medo infindável por o ter visto no sonho, com as suas roupas sujas, a sua cara vermelha e embrutecida, a tia por detrás, instando-o a torturá-lo e a sová-lo ainda mais, nos dias seguintes, quando o encarava, queria ser sovado de novo. Parecia-lhe que tinha que tornar tudo real, também o seu ódio pelo pai, como se este o houvesse mesmo esmurrado nas costas. Nessas alturas sentia-se crescido, era isso que sentia, mas mais fraco, muito mais fraco que qualquer um.»

Excerto de "Os mutilados" de Hermann Ungar